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H. Stern Club - só tem joinha

FIGURAS DA ILHA
(publicado no Diário de Pernambuco, 11.06.2006)

KARLA VELOSO
DA EQUIPE DO DIÁRIO

O que você acharia se conhecesse al­guém chamado Lombra Eterna em uma ilha paradisíaca? Essa pes­soa existe, mora em Fernando de Noronha e junto com os amigos Pirata, Rock e Cachorão ingressou com uma ação na justiça para incorporar o apelido ao nome próprio. Contrariando o apelido, Lombra diz que é careta e contra as drogas. O pedido está sendo avaliado pelo Ministério Público do Estado e será julgado esta semana pelo juiz da 3a Vara de Sucessões do Fórum do Reci­fe e do Distrito de Fernando de Noronha, Eurico Barros. Os quatro amigos aguardam, an­siosos, a decisão da Justiça. Querem ser reconhecidos dessa forma e assinar o novo nome o mais breve possível.

A idéia de incorporar o apelido surgiu em uma conversa entre os amigos. Juntos, cons­tataram que ninguém em Noronha os co­nhecia pelo nome oficial. 'Tivemos esse en­tendimento. Quando conversei com o juiz da Ilha, vi que nem ele sabia meu nome de registro, só me conhecia por Pirata. A partir daí, nos resolvemos entrar com a ação", justifica Eliezer Bezerra da Silva, 40 anos, conhecido como Pirata.

De bandana vermelha na cabeça, barba, brincos nas orelhas e comandando um barco, Eliezer Bezerra da Silva, 40 anos, faz jus ao apelido dado pelos noronhenses há 16 anos quando chegou na Ilha. 'Vim para passar um mês na casa de minha irmã. Me apaixonei por esse paraíso, com a honestidade e o jeito de levar a vida de forma mais leve que os noronhenses têm", conta o marinheiro.

Cabelo estilo moicano pintado de verme­lho, coleira de couro com cadeado no pes­coço, sandálias havaianas com tiras corta­das e amarradas para trás no calcanhar e sempre vestido com cores fortes, o guia tu­rístico Manoel Galdino Alves, 46 anos, res­ponde pelo nome de Cachorrão. "Au, au", diz o guia ao atender o telefone ou cumprimen­tar as pessoas. Nascido em Camaragibe, no Grande Recife, Cachorrão mora em Noronha há 19 anos. Era funcionário público federal há dez anos e foi morar na Dha para traba­lhar no armazém da Companhia Brasilei­ra de Alimentos (Cobal) em 1988.

Dogmóvel - Dois anos depois o arma­zém fechou. Cachorrão não teve dúvida. Pediu demissão e passou a trabalhar como guia turístico. O apelido, confirma, não veio à toa. "Moro na Praia do Cachorro e passaram a me chamar de Manoel do Ca­chorro. Então, resolvi me auto-apelidar de Cachorrão. Há dez anos batizei meu carro de Dogmóvel e me caracterizei. Agora que quero colocar o apelido no nome estão me chamando de Cachorro Registrado. Quando isso acontecer será uma alegria só", confessa o guia.

Apaixonado por rock and roll, o artista plástico Sérgio Roberto de Lima, 39 anos, era chamado de Sérgio Rock pelos amigos quan­do morava no Recife. Quando se mudou para Fernando de Noronha, há 16 anos, se deparou com três pessoas com o mesmo nome: Sérgio, Sérgio de Banca e Serginho. "Fiquei sendo chamado apenas de Rock. Adorei a ideia. Se tivesse o filho o chama­ria assim também", confidencia.

O apelido é tão forte que Rock já dei­xou de receber uma carta enviada por uma turista por não ser reconhecido pelo nome oficial. "Ela enviou a carta com o meu nome oficial, sem colocar o apelido e a correspondência voltou porque ninguém na agência dos Correios sabia quem era Sérgio Roberto de lima", recorda. Portan­to, ao chegar em Noronha, se quiser co­nhecer os quatro amigos não os procure pelo nome de batismo. Pergunte por Ca­chorrao, Pirata, Lombra Eterna e Rock e logo terá a chance de conhecê-los.

Paz e amor

Ar de tranquilidade, cabelos arrumados pelo vento, fala mansa, gingado do reggae, muita lábia e peixe assado na folha da ba­naneira para as "gringas" que vão ao paraí­so de Fernando de Noronha. Com esses atributos, Romildo Carlos Lopes, 40 anos, conhecido como Lombra Eterna, já ganhou duas comunidades no maior site de relacio­namento do país, o Orkut, e terá, até o final do ano, um vídeo-documentário retratando sua vida. Mas nada disso, assegura o pescador e guia turístico, o impressiona.

"Sei lá. Acho que as pessoas gostam de mim porque sou simples. Trato todo mundo com o maior carinho", diz, modes­to, Lombra Eterna. O apelido, conta, foi dado pelos nativos assim que chegou na Ilha, há 15 anos, para morar na casa do irmão. Lombra foi no Bar do Cachorro, ponto de encontro em Noronha, dançou reggae e bebeu a noite toda. Amanheceu o dia dormindo sentado em uma cadeira.

Os noronhenses não perdoaram. "Começaram a dizer, olha lá, o cara está lombrado. E eu nem gosto de drogas. Sou a favor da natureza", diz. Os turistas, comemora, o adoram. Suas comunidades no Orkut "Eu amo Lombra Eterna" e "Eu conheço Lombra Eterna" reúnem cerca de 300 mem­bros. Foram fundadas por pessoas que o co­nheceram no arquipélago.

Tamanha fama levou o jornalista Flávio Tabosa a fazer o vídeo-documentário Lombra Eterna. "Será a história de um cara que era apenas mais um na capital, que trabalhava como segurança em um banco no bairro de Casa Amarela, e ganhou noto­riedade no paraíso", adianta Tabosa, que já produziu 11 vídeos. Colhidas durante um mês, as imagens serão editadas na produ­tora pernambucana Orquestra Cinema. Lombra é uma figura.

Lula e Xuxa já conseguiram

A incorporação do apelido ao nome não é uma reivindicação exclusiva de Cachorrão, Pirata, Lombra Eterna e Rock. A apresentadora de programa infantil Xuxa, que assina Maria das Graças Xuxa Meneghel, e o presidente Lula, que hoje é ofi­cialmente Luiz Inácio Lula da Silva são casos famosos da inclusão do apelido ao nome. A alteração se enquadra na Lei de Registros Públicos (6015/1973), que prevê a incorporação do apelido pelo qual a pessoa é conhecida.

"Não posso antecipar minha decisão pois ainda não julguei as quatro ações dos mo­radores de Fernando de Noronha. Vou ob­servar a legislação e o parecer do Ministé­rio Público do Estado", informa o juiz Eurico Barros. De acordo com ele, todos os pro­cessos referentes à mudança no registro civil têm que ser avaliados pelo MP. O pesquisador da Cultura Brasileira Liêdo Maranhão é a favor da ação. "Se a pessoa gosta do apelido, se é conhecida por ele, deve ter esse direito", pondera, acrescentan­do que essa é uma tradição do nordestino. Em minutos, o pesquisador lista as pes­soas que conhece apenas pelo apelido: "Gordo Ourives", "Zé Olho de Gato", "Gar­ganta de Ouro", "Lula Cabelo de Rato" e "Xuxa Derrubada".